Como era a vida do veranista de
Itapagipe- Anos 40 e 50 do século passado ou mesmo antes, ainda no seu principio.
É sabido por todos que Itapagipe foi como que uma espécie de
balneário da mesma forma que Rio
Vermelho também foi.
E a Barra, Amaralina, Pituba, Itapoã, não tinham como que
representação nesse quesito? Não tinham. Itapoã era inacessível, bem como a
própria Pituba; Amaralina começava a ser habitada –o bonde começava a chegar até
ela; de relação a Barra, era tida como um local poluído e, efetivamente o era.
Grandes bocas de lobo contribuíam para o estrago.
Ai, então, os moradores da Graça,
do Canela, do Santo Antônio, da própria Barra, no final do ano até março do ano
seguinte, deslocavam-se para Itapagipe para veranear, significando dizer, repor
as energias gastas no anterior restante do ano.
À princípio, alugavam as casas
dos habitantes do local como que para experimentar o veraneio. Desde que
aprovado, construíam suas próprias residências dentro de um padrão superior às
casas do local. Em muitos casos, fizeram verdadeiras mansões num padrão até
superior às suas próprias residências no centro da cidade. Muitos até passaram
a residir no local ou, pelo menos, nos fins de semana deslocavam-se para a
península, mesmo no inverno, isto é, o inverno da Bahia..
Solar Bahia Ramos nos Tainheiros
Até o Governador e o Arcebispo veraneavam em Itapagipe. O primeiro no Solar Marback no Bonfim e o segundo na Igreja da Penha na Penha.
Solar Marback
Igreja da Penha e anexo
E como era a vida desses veranistas
em Itapagipe? A grande maioria se dedicava às pescarias nas suas diversas
modalidades. De siri, em frente às próprias casas. Se a maré estivesse cheia
pescava-se do próprio cais com jererés de boca larga, presos a um barbante.
Eram arremessados a 4 ou 5 metros. Esperava-se um pouco até que os siris se
aproximassem para comer o pedaço de carne colocado ao centro do jereré. Ai se
puxava a engenhosa armadilha com dois ou mais siris ainda comendo a isca. Eram
colocados numa lata de gás.
Nota: àquele tempo o mar chegava a 3 metros do cais de contenção nas marés cheias.
Nota: àquele tempo o mar chegava a 3 metros do cais de contenção nas marés cheias.
Se
a maré estivesse vazia, o siri era apanhado através de iscas (carne de
preferência) presas a um barbante, uma pedra para afundar e do outro lado da
linha um pedaço de carvão para flutuar e identificar o local de cada armadilha.
Decorrido poucos minutos, era só puxar cada barbante e através de um jereré de
abafe recolher a presa que era colocada em cestos de cipó que se mantinham
dentro d’água para que os siris permanecessem vivos.
Siri Puã
Outra pescaria muito querida
pelos veranistas era a de camarão e siri mole. Era realizada igualmente na
Avenida Beira Mar. Mesmo os que veraneavam em outras partes da península, se
dirigiam para esta avenida. Alugava-se ou tomavam-se emprestadas pequenas redes junto aos
pescadores profissionais. Não era preciso uma canoa para acompanhamento do
arrasto, mas muitos o faziam. Até mesmo o fifó a gás era incluso. Os pescadores
achavam graça no entusiasmo dos veranistas e não viam no ato uma concorrência
ao negócio deles. No dia seguinte haveriam de pagar quando o peixe era vendido
de porta em porta. - Eu sou aquele pescador que emprestou ao seu marido a rede
e a canoa ontem à noite. – Ah! Quanto está o vermelho? – Cinco cruzeiros. Está
barato. – Eu ontem comprei por três, mestre Pedro. – São todos grandes madame, é
diferente. Seu marido pegou muito camarão? - Está bem, trate dois quilos.
Muitos camarões
Rêde
A últil canoa feita de um tronco de árvore sem emendas
Carangueijo
Também tinha a pescaria de tainha
no Porto dos Mastros. Os mais habilidosos usavam tarrafas. Eram compradas na
Preguiça. As canoas também eram emprestadas. Quando a coisa se generalizou,
passaram a alugar por uma manhã. Valia a pena pagar alguma coisa. Sempre dava para parar nos
manguezais em torno e catar alguns caranguejos. Atolavam-se até os joelhos. Era
para quem podia. Velhos nem pensar!
Tarrafa
Até então falamos praticamente em
pequenas pescarias, mas tinha as grandes. Muitos veranistas possuíam saveiros à
vela. Com eles iam pescar na “meia travessa” entre Mar Grande e Salvador. Era a pescaria de
linha de fundo. Os pesqueiros eram feitos meses antes do veraneio. Juntava-se
ferro velho, paus de mangue e tudo o mais que não prestava e fundeavam essas
armações em meio ao mar. Com o tempo os peixes iam se aproximando,
principalmente vermelhos. Passavam a ser seu esconderijo contra os grandes
predadores. Marcava-se a posição com referências na terra. Uma maneira genial.
Quando chegava o veraneio as pescarias eram quase diárias. Saiam cedo de terra,
5 horas da manhã. Voltavam depois do meio dia. Exaustos mas felizes. Sempre com
muito peixe.
Vermelho (uma das espécies)
Dormiam a tarde inteira e à noite
sentavam-se na porta de casa a conversar com os familiares e vizinhos. Vez em
quando saia uma rodada de siri mole com uns camarões fritos. Refrigerantes de
maçã da Fratelli. Um sorvete de mangaba ou cajá feito em casa. Um cafezinho para
afastar o sono que já apertava a partir das oito horas. E às dez horas a rua
estava deserta; só o apito do guarda noturno anunciava que tudo estava
tranquilo no Reino de Itapagipe.
Aos domingos a coisa era
diferente. Não havia pescaria. Os mais jovens participavam dos babas de praia
se a maré estivesse vazia pela manhã. Se cheia, nadavam entre o Bonfim e a
Penha. Almoçavam cedo. Meio dia no máximo. Às duas horas já estavam na matinêe
do Cinema Itapagipe na Madragoa. Não podiam perder o seriado de Flaz Gordon.
Voltavam pra casa; tomavam um café rápido e se mandavam para a Ribeira. Era a hora do footing das meninas em frente à
Sorveteria da Ribeira. Ficavam sentados na baluastrada enquanto elas desfilavam
de braços dados.
O pessoal mais adulto, geralmente
homens, ia assistir as partidas de futebol no Campo do Papagaio que não é outro
senão o atual Largo do Papagaio. Era um campo, gramado. Pertencia, vírgula, ao
Esporte Clube Humaitá que se localizava na Travessa Porto do Bonfim, nas
proximidades. Em verdade, o espaço era da Prefeitura.
Atual Largo do Papagaio
Na esquina dessa rua morou
Evandro de Castro Lima, artista, coreografo e que se tornou famoso pelos
desfiles que fazia no Carnaval Carioca.
Travessa Porto do Bonfim - Na Casa da esquina, à esquerda, morava a familia de Evandro Castro Lima. Hoje está reformada, monstruosamente.
Pois bem, nesse campo treinava o Guarani de Walter Passos
que morava em frente ao largo, bem como era usado pelo Esporte Clube 2 de
Julho, time de futebol da juventude do local. O Humaitá tinha as cores verde e
branco e o 2 de julho, verde e amarelo e o Guarani era Preto e Branco. Em 1950
tornou-se campeão baiano de futebol profissional .
Como dizíamos, o pessoal ia assistir às partidas que se
realizavam nesse campo. Zague que era do Periperi do vereador Castelo Branco,
depois Botafogo do Rio e posteriormente se transferiu para o México, jogou
muitas vezes nesse campo. Era uma fera nas cabeçadas.
Como dizíamos, grande número de veranistas ia assistir aos
jogos do Papagaio. Ficava cheio de gente, moradores das proximidades. Em
verdade era uma festa. Como sempre as mocinhas desfilavam de braços dados na
lateral do largo. Carrinhos de pipoca, barricas de sorvete, algodão doce,
ventarolas verde e amarela, acarajé, abará. Cada qual procurava ganhar alguma
coisa.
O dia, ou melhor, a noite se encerrava como sempre nas
reuniões na porta de casa até que o sono chegasse. Era invariável essa rotina.
Vale destacar os dias de grandes festas na
península: Boa Viagem, Senhor do Bonfim, 2ª Feria Gorda da Ribeira. As casas de
veraneio ficavam cheias de parentes e aderentes que não puderam veranear. Ocasião belíssima
para grandes feijoadas e moquecas. Não deixavam, contudo, de ir às barracas de comida que se estabeleciam nos largos das
festas. Comida pesada, mas gostosa. Sarapatel, xinxin de galinha, efó,
sarapatel, rabada, etc. etc. fatada. Geralmente veranistas e donas de barraca
já se conheciam de outros “carnavais”, como se costuma dizer.
Era mais ou menos assim a forma como se veraneava em Itapagipe.
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