Os atrativos da Ilha de Maré começaram a ser percebidos pelos moradores de Itapagipe durante as décadas de 1940/50. Naquele tempo, ninguém tinha lancha ou escuna, mesmo catamarã. Esse tipo de embarcação só foi introduzido no Brasil nos anos 1960 quando o português chamado “Manelis” navegou até o Maranhão via Jericoacoara, Ceará e criou família na praia de Outeiro. Hoje São Luis do Maranhão é considerada a capital dos catamarãs pelo grande número de barcos dessa classe.
Desde aquele tempo - 1940/1950- já era famosa a moqueca de caçonete de Maré.
Por causa dela, quase aconteceu uma tragédia shakespeariana. Veja a sua história:
Era muito comum naquela época cada bairro ter seu time de futebol, inicialmente formado na praia e quando se sentia forte, aventurava-se pelos campos de Salvador e da Várzea, como Papagaio em Itapagipe; Tupi na Boa Viagem, Galícia na Barra e Periperi na várzea, entre outros.
Em Itapagipe formou-se o Esporte Clube 2 de Julho, camisas verde e amarela, naturalmente. Apesar de merecer, o time tinha esse nome não em homenagem à data magna da Bahia, mas pelo fato de que a maioria dos seus integrantes moravam na antiga Rua 2 de Julho,hoje Visconde de Caravelas, paralela da Avenida Beira-Mar à esquerda e do Porto dos Mastros, à direita.
Pois bem! O "grande clube" foi convidado a jogar em Ilha de Maré contra a seleção local. Os organizadores estavam garantindo uma belíssima moqueca de caçonete.
Num domingo pela manhã os atletas embarcaram num saveiro de dois panos pertencente ao pai de um dos jogadores. Viagem maravilhosa com vento apopado. Chegaram por volta das 10 horas sob uma chuva de foguetes de flechas. A ilha estava em festas por causa do grande jogo.
Após a viagem, seria prudente que os jogadores descansassem. Não foi o que aconteceu. Botaram suas sungas e foram se deliciar com ás águas maravilhosas da ilha. Naturalmente tomaram uma cervejinha e comeram seu abará. Paqueraram as nativas da ilha e só saíram da praia na hora da moqueca. Realmente, algo excepcional, feita pela mais famosa cozinheira da ilha.
Às 15 horas teria inicio o encontro futebolístico. Teria que ser assim cedo, por causa da volta dos jogadores visitantes. Senão teriam que viajar à noite, o que não era muito aconselhável.
Garboso o 2 de Julho entrou em campo, campo este que era puro barro. Só tinha verde, fora das quatro linhas. Do outro lado, entrava a seleção local, saudada por uma bateria de foguetes. De logo, o juiz que era da Federação Bahiana de Desportos Terrestres, a FBDT, vindo de Salvador, notou que havia algo de errado. Enquanto os jogadores do 2 de Julho estavam de chuteiras os do time local estavam descalços.
Chamou ao centro do campo os dois capitães e lhes fez ver que, para que o jogo se iniciasse, haveria de ter uma uniformidade de equipamento. Ou os jogadores do 2 de Julho tiravam suas chuteiras ou os jogadores da seleção local colocariam as suas.
De logo, o capital da seleção explicou que eles não tinham chuteiras, nunca jogaram de chuteiras e que isto era coisa de “profissionais”. Já o capitão do 2 de julho explicava que num campo como aquele, de barro, era impossível jogar sem chuteiras. Iriam estourar totalmente os pés.
Criado o impasse, o Dois de Julho começou a se retirar de campo. Não haveria jogo. Embarcariam de volta para Salvador.
Nesse momento entrava em campo o Presidente da liga local. O cara tinha quase dois metros de altura. Portava na cintura um facão. Brilhava ao sol! Chamou o capitão da equipe visitante ao lado e lhe disse baixinho e pausadamente : “vocês vieram aqui; foram recebidos com fogos; comeram a minha moqueca e agora estão dizendo que não jogam? Ou vocês jogam ou ninguém vai sair (vivo) dessa ilha”. O “vivo” foi dito no ouvido, bem baixinho, mas com ar de verdadeiro. O grupo amarelo e verde, agrupado ao lado do campo, ouviu do capitão o recado do presidente da liga. Confabularam. Ou jogamos ou vai haver uma tragédia. Tiraram as chuteiras. Jogaram. Perderam de 7x0. Ganharam imensas e doloridas bolhas de sangue nos pés. Retornaram a Salvador. Vez em quando colocavam os pés n’água procurando aliviar a dor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário