Um grande amigo, Dr. Sérgio Netto, assíduo leitor deste blog,
nos fez uma consulta interessante de relação “a decrepitude de que tanto o
pessoal de lá como a área como um todo entrou em decadência social” referindo-se
a Itapagipe de hoje. Esta indagação foi feita por outro amigo de velhos
tempos, Jairo Sollinger. Ai Sérgio jogou a bola para "nosoutros."
Vamos tentar explicar: Inicialmente, a Itapagipe dos anos 30/50
era como que uma estação de veraneio. Entre os meses de dezembro e fevereiro de
cada ano, mesmo nas festas juninas que se estendiam por todo o mês de junho,
muitas famílias moradoras da Graça, Vitória, Canela e certas partes do centro
alto da cidade, costumavam veranear em Itapagipe entre Monte Serrat e Penha.
Até mesmo as autoridades como que transferiam a direção da cidade para a península:
os governadores costumavam veranear no Solar Maeback no Bonfim e o arcebispo ia descansar na “anexo”
da Igreja da Penha.
Inicialmente, alugavam casas de moradores, mas
aos poucos foram construindo as suas
próprias residências que seriam hoje chamadas de “casas de praia”. Fizeram-se verdadeiras mansões,
às vezes superiores às que moravam na Cidade Alta.
Solar Marback no Bonfim
Solar Amado Bahia nos Tainheiros
Outro na Ribeira
No Poço
Com a melhoria dos
transportes, pessoal e urbano, muitas se transferiam em definitivo para a
península. Itapagipe que era no seu todo um bairro classe C ou mesmo D, foi se
transformando num verdadeiro bairro classe A, naturalmente com seus bolsões
pobres como é o caso da maioria das cidades brasileiras. O Rio de Janeiro,
ainda hoje, é um grande exemplo dessa forma de cidade. Ao lado dos mais belos
bairros da cidade carioca, uma ou mais favelas nos morros do seu contorno.
Então, quem viveu naquele tempo de Itapagipe dos anos 30/50
onde a melhor elite da cidade começou a residir, definitivamente ou não, haverá
de estranhar o padrão social dos dias de hoje, tanto humano quanto material.
O limite dessa grande modificação deu-se a partir dos anos 40
quando ocorreram as grandes invasões da Enseada dos Tainheiros, a primeira no
bairro do Uruguai e a segunda no Porto
dos Mastros, este bem no coração da península.
E como aconteceram essas invasões? Quem foram os seus
autores? Qual foi a motivação e o “modus operandi”.
No Uruguai foi o próprio governo (Prefeitura) a autora do
crime ambiental. Sim! Não se modifica a natureza da forma como se fez no antigo
bairro nas proximidades dos Mares. Inicialmente, nomearam o Uruguai como “lixeira”
de Salvador. Isto mesmo! Lixeira! Todo o lixo produzido no resto da cidade
deveria ser conduzido para o Uruguai e, diariamente, carretas e mais carretas
de lixo eram jogados nas beiradas da enseada que insistia em chegar até ali. Foram
aterrando-a.
Mais anteriormente, a própria Avenida dos Mares era mar; o
Caminho de areia também. A Madragoa era um charco. O seu nome está a dizer.
Madragoa, viveiro de caranguejos.
Acredita-se, então, que Itapagipe foi, desde aquele tempo, a
lixeira de Salvador e quase todo ele, foi aterrado dessa forma. Há citações de
decretos do governo estabelecendo que todo o lixo produzido na Cidade Ata deveria
ser jogado na Cidade Baixa.
Para se ter uma ideia da extensão da operação, anteriormente
o mar chegava às proximidades dos Mares. A própria Avenida dos Mares era mar. O
Caminho de Areia também era mar. Dendezeiros. Quase tudo! A península de
Itapagipe era uma lingueta. A ligação com Itapagipe se fazia unicamente pela
Rua Barão de Cotegipe ou pela praia. Ainda não era calçada. Quando ela foi
feita, deu nome à Estação Ferroviária da Calçada (da rua calçada).
O mapa acima tenta mostrar a extensão
da Enseada dos Tainheiros - O traço azul mostra a extensão do mar antigamente.
Quando se
consolidou o terreno, fez-se o bairro com suas avenidas, um bairro enorme, mas estranhamente,
a invasão do mar continuou com as chamadas palafitas, habitações sobre paus
enfiados na parte rasa dos mares e dos
rios.
Foi o que
veio a acontecer no Porto dos Mastros em 1953, mas com enormes reflexos no veraneio
que havia se estabelecido em quase toda a península. A vista, a circulação do
vento, a higiene como um todo, foram tirados do dia para a noite das pessoas
que faziam de Itapagipe um bairro quase classe A. As mansões e solares foram
abandonados ou vendidos por preços irrisórios. Todos se afastaram. No lugar estabeleceram-se
pessoas de origem muito pobre, tanto das ilhas quanto do Recôncavo e mesmo de
bairros afastados do centro de Salvador. Agravando a situação, a ocupação se
deu de forma desordenada, sem nenhum critério urbanístico, sem nada. Não foi
pior, ou seja, não tomou toda a Enseada
dos Tainheiros, em razão da existência no local de um canal de uma boa
profundidade. Não fosse ele e teria havido a união da península ao continente
do lado de Lobato e Santa Luzia. Não teríamos, por exemplo, as hoje dezenas de
marinas que dão à Itapagipe ares mais confortáveis de vida.
É esta gente
que hoje habita Itapagipe: sem instrução, com pouquíssimo recurso financeiro, sem nada. Consequentemente, veio a
degradação tanto humana quando material da bela localidade, desde que, somente 10
anos após, tratou-se de aterrar com areia o local e se fez algum trabalho de
saneamento básico.
Agora,
faz-se uma reforma total de grande parte de suas avenidas à beira-mar, mas não
se espera que a questão social se modifique. A nova situação social veio para
ficar.
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