Em diversas ocasiões este blog tem se reportado à figura de
Diogo Álvares Correia na história da Bahia, principalmente quando ligam este
fidalgo português à lenda de Caramuru, resultado de um poema épico feito pelo
Frei José de Santa Rita Durão denominado justamente de Caramuru, escrito no ano
de 1781, ou seja, 233 anos de hoje e 271 anos após o suposto ocorrido.
Logo, pelas circunstâncias, só poderia ser uma criação na
imaginação do frade, absolutamente fora de qualquer realidade e às vezes
lógica.
Apesar disso, ensina-se nas escolas, escreve-se em revistas
e jornais e se aceita até em determinados Centros Históricos, como sendo uma
verdade incontestável.
Ninguém tem o cuidado de dizer que se trata de uma ficção ou
de uma lenda, inserida no contexto de um trabalho literário.
Caramuru verde
Não nos incluímos nesse rol, muito pelo contrário.
Consideramos o caso um embuste que precisa ser corrigido.
Para começo de conversa, há de se contestar ter havido o próprio
naufrágio nas costas do Rio Vermelho. A primeira desconfiança tem como base o
fato de que Gabriel Soares de Souza, cronista mais próximo daquela época, nunca
ter comentado a “mariquita”, ou seja, o naufrágio dos franceses, segundo a
língua tupi-guarani nas costas bravias do Rio Vermelho.
Modernamente, nas Atas dos IV Cursos de Verão de Cascais,
abordou-se o tema “Mito e Símbolo na História de Portugal e Brasil, Câmara
Municipal de Cascais-1998
O texto é o seguinte:
“Não há qualquer segurança a respeito da
data de chegada à Bahia de Diogo Álvares. Os documentos da época são vagos a
respeito, alguns contraditórios, o que leva os historiadores a adotarem
opiniões diferentes, segundo a fonte em que se baseiam. A maioria das fontes
conduz para os anos imediatamente posteriores a 1500, algumas, entretanto,
apontam para a década de 1530. Embora não se costume levantar dúvidas a
respeito da condição de náufrago de Diogo Álvares – de tão repetido, parece hoje “incorporado ao
personagem” o fato é que ela não é comprovada. Gabriel Soares de Souza
refere-se a um naufrágio, porém ocorrido nas costas da Bahia durante uma viagem
entre Ilhéus e Vila Velha, em companhia do donatário Francisco Coutinho. A
narrativas do Pe. Simão de Vasconcelos, que dá Diogo como náufrago numa viagem
desde Portugal, omite suas fontes, mas documentos posteriores repetiram a
informação, também sem indicarem a origem. No século XVII, o poema épico de
Santa Rita Durão dedica-se ao episódio.
Do naufrágio um movimentado, heroico e
trágico canto, ligou definitivamente Caramuru à condição de náufrago; isto não
foi reforçado pela iconografia que reproduzia fartamente o episódio.
Permanecem, contudo, outras probabilidades também sem confirmação documental: a
de Diogo Álvares ter sido um entre vários degredados então abandonados no
litoral brasileiro, com o objetivo de ai aprender a língua e costumes locais
para depois os transmitirem aos portugueses; a de ter sido tripulante de uma
das primeiras expedições enviadas ao Brasil, decidindo, por vontade própria,
permanecer em terra, como o fizeram outros portugueses; e a de ter sido um dos
diversos judeus que, expulsos do Reino em 1496, buscaram a América. Embora ela
seja provável, não há segurança acerca dessa naturalidade. Há certeza apenas
quanto à nacionalidade portuguesa de Diogo Álvares, atestada por testemunhas da
época. Alguns autores registram o nome completo como Diogo Álvares Correia.”
Trabalho icnográfico sobre Caramuru
O que é verdadeiro e certo é o
fato de que, Diogo Álvares Correia foi interprete e mediador junto aos índios. Seu nome, os serviços que prestou à Coroa e à
Igreja e sua descendência foram aplaudidos na correspondência civil e religiosa
enviada à época da Bahia. Tomé de Souza recompensou-o com mercês e com recomendações
sobre sua pessoa ao rei e o Pe. Manuel da Nóbrega que com ele conviveu, o
elogiou em mais de uma carta. Ao morrer, Diogo deixou metade de sua terça à
Companhia de Jesus. É provável que, após o inicio da colonização sistemática,
Caramuru tenha vivido tanto nos núcleos urbanos quanto entre os indígenas. Tudo
indica que faleceu na Bahia, havendo duvida quanto a data: teria sido no ano de
1557.
Também é interessante observar que o episódio da arma de
fogo não foi referido por Santa Rita Durão e sim pelo Padre Simão Vasconcelos
em obra à parte. Venhagem, também cronista, foi o primeiro a duvidar do episódio e ironizá-lo.
Aliás, não é
preciso recorrer a cronistas e afins para se notar como é desconexa quanto
descabida a obra de Santa Rita Durão no que se refere à lógica e ao bom senso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário