Em frente ao Elevador Lacerda na parte alta ou em frente à Câmara de Vereadores na Praça Municipal, geralmente em cima de um engradado de cerveja, atuava Cuica de Santo Amaro, o maior cordelista (literatura de Cordel) de Salvador,
Apesar do nome “de Santo Amaro” não nasceu na terra de Caetano. É natural de Salvador onde nasceu em 1907 e morreu em 1964. Era chamado por Jorge Amado de “O Trovador da Bahia”. Outros nomes da literatura brasileira reconheceram o seu valor. Foi um mestre da cultura popular.
O Santo Amaro de seu apelido adveio de ter sido criado por uma senhora em Santo Amaro e diz-se ter a visão muito prejudicada. Morava no bairro de Quintas. Já “Cuíca”adveio do fato que num violão tirava o som de uma cuíca
Repórter popular, o poeta de cordel documentou 30 anos de crimes, desastres, escândalos
sexuais e políticos da vida cotidiana baiana. Era um terror! Quando a Mulher de
Brotas cortou o “principal” do marido, a Praça Municipal se encheu para ouvir
seus versos a respeito. Saiu carregado!
Acompanhava de perto a
política da terra, principalmente na área da Prefeitura. Tinha intenções
políticas e uma vez se candidatou a vereador, mas o povo não lhe deu o merecido
apoio. Fosse hoje com a irreverência dos dias atuais e teria sido eleito. Por muito menos, Tiririca com sua graça, obteve mais
de um milhão de votos; É Deputado Federal. ´Cuíca queria apenas ser vereador. Achamos
que na sua inscrição de votação colocaram apenas o seu verdadeiro nome – José
Gomes – ninguém conhecia essa pessoa.
Temos uma foto de um
cartaz de sua propaganda. Quem poderia saber que aquela respeitável figura
fosse o Cuíca de Santo Amaro. Faltou estratégia. Realidade. O povo o conhecia
de outra forma. Naquela época não tinha marqueteiro.
José Gomes
Vestia-se envolto em
cartazes, chapéu de coco, calças listradas, fraque e rosa na lapela. Lembrava
muito Charles Chaplin, o grande ator francês.
Cuica de Santo Amaro
Foi inspiração de
personagens inseridos no Pagador de Promessas de Dias Gomes e Bahia de Todos os
Santos, de Jorge Amado.
Josias Pires
disse dele:
“Ele é aquilo que todo romancista queria ter
criado. Personagem de mil faces, de características contraditórias. É o herói e
anti-herói. Um poeta livre, das margens, popular. Era o Gregório de Matos sem
gramática"
Disse mais Josias Pires:.
“Cuíca era um sujeito muito visível. Qualquer
pessoa que circulasse pela cidade tinha notícias dele, porque ele gritava
poesias, livrinhos, anúncios na rua. Não se encontra ninguém que viveu aqui nos
anos 1940 e 1950 e que nunca tenha visto Cuíca atuar. E a obra dele ficou muito
rara, mas conseguimos reunir mais de 300 livrinhos de pesquisadores e pessoas
que compraram em Salvador, Feira de Santana, Rio de Janeiro, São Paulo e
Estados Unidos”, conta Josias.
Nas memórias coletadas, conta o diretor, fica
também aparente o papel de 'jornalista extorquista' do poeta e comunicador de
rua. Em suas crônicas de cordel, era sempre assunto a boataria dos escândalos,
alvo de curiosidade dos moradores e de preocupações dos protagonistas reais
daquelas tramas.
"Eram escândalos, segredos de alcovas,
traições amorosas. Tratava de muitos temas complicados, que incomodam, e que
até hoje pessoas que têm amigos que sofreram com isso não querem falar. Trazia
essas temáticas que se vê hoje no mundo cão da televisão, casos policiais, mães
que estrangularam filha. Mas ele usava essas casos escandalosos para
vender", afirma.
Mais um comentário sobre ele em
forma poética:
Cuíca de Santo Amaro
Grande fidalgo baiano
Morava em São Salvador...
Um bom cronista, de faro,
Contava o cotidiano
Do coitado e do doutor...
Viveu há cinqüenta anos
Na cidade da Bahia
Que lhe rendia homenagem...
Os seus versos mais insanos
Traziam humor e alegria
E lhe abriam passagem...
Lembro o Elevador Lacerda
bem perto do meio-dia:
A multidão apressada
E gente que andava lerda
Dois minutinhos perdia
Pra ficar bem informada...
Bengala e óculo escuro
Cuíca, bem alto, lia
O seu cordel encantado...
Tinha gente sobre o muro
Que sua voz, atenta ouvia
Sobre fato consumado...
Era cego de nascença
Um cantador diferente
Que contava cada história...
Pra êle, não tinha crença
Fosse inimigo ou parente,
Que escapasse da memória...
Mulher que capou marido
Filho que matou o pai
A boazuda do patrão...
O Cuíca era inxirido
Bota pra fora o que sai
Tudo o que lhe vem à mão...
Seus livretos pendurados
No varal improvisado
Custavam o valor de um pão...
E todo o mundo queria
Participar da alegria
Que tinha em seu coração...
Ricardo De Benedictis
Seus versos virulentos assustavam poderosos e gente comum e
não havia segredo guardado a sete chaves que escapasse do seu faro para
escândalos que tornava públicos na cidade através de cordéis. Esse foi, ao
longo da vida, o seu ganha pão. Venal para uns, genial para outros. Uma coisa,
porém, ninguém nega: esta personagem do século passado mantém uma atualidade
singular, que não se insere em nenhum rótulo.
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