segunda-feira, 30 de maio de 2011

RUA CHILE – 4 – O ALARGAMENTO

Antes de se chamar Rua Chile, essa artéria tradicional de Salvador teve vários nomes a começar com Rua Direita Santa Luzia; em seguida, Rua da Porta de São Bento; depois, Rua Direita dos Mercadores; após Rua do Palácio e finalmente Rua Chile.

Entre 1900 e 1912, a Rua Chile se manteve como era em largura e comprimento, bem como não se construiu nenhum outro imóvel. Absolutamente intacta!

Viria a sofrer intervenção na sua estrutura como um todo após o bombardeio da cidade em 10 de janeiro de 1912.

Bombardeio?!! Sim! Salvador foi bombardeada por ela própria desde que os artefatos partiram do Forte São Marcelo, na época chamado Forte do Mar, situado bem em frente ao frontal de Salvador. Algumas balas atingiram prédios da antiga Rua Chile como foram os casos dos de número 23 e 25, este ocupado no térreo pela Sapataria do Sr Rafael Buffone e no andar superior pela família do cirurgião dentista Álvaro Barbosa e aquele pelos irmãos Rodrigues na parte térrea e o pavimento superior pelo consultório do Dr. Bonifácio Costa.

Bombardear a própria cidade é coisa de louco, transpassando às raias da racionalidade das coisas e da vida।

Original (cópia)

Lulu Parola (pseudônimo do jornalista Aloísio de Carvalho, escreveu na época:

Quando eu olho da Praça para o mar
E vejo agora o forte São. Marcelo
Digo: quem é que havia de pensar
Que você emtraria num duelo!
Sim! A verdade eu devo confessar
E não invento aqui nenhum libelo;
Diziam que o teu forte era em salvar
Para o mais te mantiam num chinelo
Mas, depois que roçaste o tiro grosso
Acreditaram mesmo sem querer
Quando agora o teu vulto é examinado
Os que te achavam velho e desdentado
Dizem quem é que havia de dizer।


Pois bem! Foi essa gente que dominava a Bahia com mão de ferro nos idos de 1912 a 1935, promoveu outro “bombardeio” ainda mais devastador do que aquele do forte, quando sem dó nem piedade, pôs abaixo grande parte da antiga Cidade de Salvador – Cidade Alta e Cidade Baixa – à titulo de uma pretensa modernização que compreendia a construção de uma avenida e o porto de Salvador। No bojo se faria o alargamento da Rua Chile e a avenida 7 começaria no principio da Ladeira de São Bento। Até então não se cogitou nenhuma intervenção nos quarteirões de casas e da Igreja que se localizavam na atual Praça da Sé, fato que só viria a ocorrer em 1930, ou seja, 18 anos depois o que é de causar certa estranheza. (Adiante trataremos desse assunto).

E se fazia necessário efetivamente a construção da avenida e do porto? O momento era propício? E o Estado estava em condições de bancar a “parada”?

Não estava! A Bahia saía de uma crise muito séria, não somente crise política, mas, igualmente, crise financeira desde que almas gêmeas uma da outra ou sombra delas próprias. Contribuía e muito para essa situação uma crise da economia mundial do que resultou em parte a guerra de 1914.

A impressão que nos dá e deu para muita gente da época, é que José Joaquim Seabra, que veio a ser o governador da Bahia no período em pauta, precisava se redimir das acusações que lhe faziam sobre o bombardeio da cidade. Partiu pra tudo ou nada.
 


J.J.Seabra

Vejamos um artigo publicado no site WWW.webargios.com.articles/3712/2/0 - Bombardeio da Bahia de 1912.


Seabra o mais nauseante batráquio da politicagem nacional". Seabra resolveu responder com obras. Auxiliado pelo engenheiro Arlindo Fragoso, seu secretário de estado, tomou para si a missão de modernizar Salvador, aos moldes do que havia presenciado no Rio de Janeiro, quando era Ministro da Justiça e Negócios Interiores. Na época, o prefeito Pereira Passos derrubou cortiços e prédios antigos para "sanear" e modernizar a capital federal. Mas a inspiração maior de Seabra pode ter vindo de mais longe. Em 1907, ele passou uma temporada na Europa e ficou encantado com a cidade de Paris.
Salvador perdeu vários edifícios coloniais de grande valor histórico e ganhou em troca a Avenida Sete de Setembro, a mais importante obra iniciada no primeiro governo de J. J. Seabra. Num ponto valorizado da nova avenida, no local onde se erguia a Igreja de São Pedro derrubada, ele colocou um relógio importado, que ficou conhecido como o Relógio de São Pedro. A idéia não era só enfeitar a nova via. Antes de Seabra, a população de Salvador costumava se guiar pelo tradicional "tiro das nove", deflagrado sempre às nove da noite do Forte de São Marcelo. Todo o mundo entendia, então, que era hora de dormir. Mas, depois do bombardeio, a população traumatizada precisava de outra maneira de saber as horas. Com o relógio e as muitas obras que fez, Seabra mostrava que queria passar uma borracha no incômodo episódio. Foi para isso, também, que ele logo reformou com pompa o Palácio do Governo atingido pelo bombardeio, que foi também rebatizado. Até hoje, o prédio ostenta o nome de Palácio Rio Branco. “

Outros comentários:

Iniciou-se então o processo de demolição das residências da área central que a grande imprensa saudou denominando-o com simpatia de “regeneração”. Para os atingidos pelo ato era a ditadura do “bota-abaixo” já que não estavam previstas qualquer indenização para os despejos e suas famílias, nem se tomou qualquer providencia para realocá-los. Só lhe cabia arrebanhar suas famílias, juntar os parcos bens que possuíam e desaparecer de cena.”
“Na Bahia o “urbanismo demolidor” implementado por SEABRA tinha também como meta substituir o velho pelo novo, abrir avenidas largas, demolir prédios antigos e igrejas, higienizar, tornar a cidadã salubre, mais bonita, desenvolver o comercio. Substituir o tradicional pelo moderno sem preocupar-se com os custos econômicos e sociais, muito bem assimilado na convivência com o Governador carioca.
Tendo sido ministro de Viação e Obras Publicas, SEABRA se vangloriava de conseguir articular ações nas três esferas estatais para executar as reformas da cidade. “

De relação ao porto, mais vale transcrevermos o que escrevemos meses atrás nesse mesmo blog. Façamos um condensado:

Outro ponto um tanto quanto discutível da construção do Porto de Salvador onde efetivamente ocorreu, foi o câmbio da navegação à vela pela navegação a vapor. Os trapiches acabaram. Os saveiros ficaram sem função. Todo o recôncavo baiano sofreu na carne. As cidades em torno estacionaram economicamente. As ilhas também. O bairro do Comércio perdeu a atmosfera internacional que possuía.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
PORTO DE SALVADOR - CONSEQUÊNCIAS DE SUA INSTALAÇÃO- 2

Diz-se que a Cidade de Salvador deu as costas para o porto, o que é verdade. Isso tem a ver com as cargas e o ambiente social. Havia um passível ambiental. O porto era um lugar imundo. Era comum jogar no mar restos de cargas avariadas de alimentos. Crescia a população de ratos. No campo social, a atividade portuária era exclusivamente masculina. Isto incentivou a criação de prostíbulos nas proximidades. Virou “barra pesada” associado ao submundo de crimes, drogas e contrabando. Por outro lado, a topografia da cidade agravou a divisão, contribuindo não só para separar os dois setores da cidade, mas para sujar ainda mais a parte baixa da mesma.

PORTO DE SALVADOR - INCONVENIÊNCIAS DE SUA LOCALIZAÇÃO

Certa feita, escrevemos que de mar entendem os iatistas. Na oportunidade, tratávamos justamente de estaleiros. Qual o melhor lugar de implantá-los!
No caso do porto de Salvador ao tempo da decisão sobre onde instalá-lo, na falta dos iatistas, os saveiristas do Cais do Ouro poderiam opinar com precisão e, certamente, diriam eles que o melhor local seria aquele a partir do próprio Cais do Ouro em direção a São Joaquim. Claro que não diriam “incluso Cais do Ouro” por questões óbvias de sobrevivência e manutenção de suas próprias atividades.
E estariam certos! Teria sido evitado o grande erro de construção do porto de Salvador a partir de onde ele efetivamente começa, isto é, em frente à antiga Alfândega, hoje Mercado Modelo.



Porto de Salvador - Início

A foto acima é um atestado mais do que evidente da inconveniência técnica da construção de um porto começando justamente em frente a um banco de arreia e recifes onde está assentado o Forte de São Marcelo. A área tem baixíssima profundidade decorrente da irradiação desse banco ao redor. Não entra na cabeça de alguém que entenda um pouco de mar a concepção de um porto nas proximidades. É inacreditável!
Tanto isso é verdade que, os dois primeiros armazéns estão praticamente inativos. Nenhum navio aporta neles. Só a partir do terceiro armazém se vê movimento portuário, propriamente dito, assim mesmo de navios de pequeno calado. O quarto atende melhor a demanda. Vejamos outra foto da mesma área, esta mais abrangente, mostrando os dois quebra-mares:



A linha vermelha procura indicar a entrada de um navio entre os dois quebra-mares. A amarela mostra como o navio sairia desses limites. A linha azul mostra a forma mais garantida de sair. O círculo em torno do Forte São Marcelo indica a provável área de baixa profundidade.

Nos dois primeiros casos (vermelha e amarela), o navio passaria nas proximidades do Forte de São Marcelo e da área ao redor que deve ser rasa. Um perigo!

Outros problemas também existem. Vejamos trecho de um relatório produzido pela Usuport (Associação dos Usuários dos Portos da Bahia):

“Hoje, o terminal possui dois berços de atracação – o cais da Ponta Sul, com 210 metros, e o cais de ligação, com 240 metros –o menor deles equipado com portêineres. Os portêineres são pequenos, limitados a navios panamax; a construção de um armazém do terminal junto ao cais de ligação não permite que este berço de atração seja utilizado para a movimentação de contêineres. Equívocos também teriam ocorridos na construção de prédio administrativo e oficinas na área do terminal próximos ao cais, com impactos na capacidade do terminal”.

Nota- navios panamax são tidos como de tamanho médio.
Medidas gerais do Porto de Salvador

Por esta razão muitos defendem a tese de que o Porto de Salvador poderia ter sido construído em outro local। Em Aratu, por exemplo। Hoje esse porto tem uma movimentação de produtos exportados maior que o de Salvador, na altura de 60%. Com isto teria sido preservado todo o conjunto de cais então existente e teria se mantido a comercialização de produtos advindos do recôncavo e das ilhas. Os saveiros ainda estariam navegando pela Baia de Todos os Santos. Cometeram um crime com inusitadas matizes de gravidade.

Mas não teríamos o bairro do Comércio como ele hoje é. E não se fariam as avenidas que lhe cruzam. E daí? O legado do Comércio é desastroso para Salvador. É uma área degradada e ainda por cima, essa degradação se estendeu por toda a Cidade Baixa até a península. É um caos geral. O projeto de revitalização do Comércio e demais áreas vai custar bilhões. Vai levar anos para sua concretização.

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