Certa feita fizemos uma postagem sobre o bairro do Comércio
na Cidade Baixa. Titulamo-na “O COMERCIO
SEMPRE NOS SURPREENDE”. Em verdade, buscávamos traços de como fora este bairro
no século XIX e principio do século XX. Infelizmente só encontramos pedaços do
extraordinário conjunto. Renovo esses pedaços nas fotos abaixo:
Extraordinário conjunto? Sem dúvida que era. Diz-se que “se
Salvador tivesse mantido o que tinha antes, mas o que tem hoje, seria uma das
maiores cidades do mundo”.
Hoje e agora, podemos tirar a prova dessa afirmação com a
publicação de fotos da antiga Rua das Princezas (com z) – que não é outra senão
a nossa conhecida Rua Portugal dos tempos atuais:
Rua das Princezas- Bela e Aristocrática – Reparem que muitas
bandeiras estão hasteadas. Só não tinha árvores como é hoje, mas para que? Não
se veria os belos prédios na sua magnífica composição urbana; também esconderiam as bandeiras.
LEITURA OPCIONAL
ALAGADOS
2
A moqueca estava uma delícia. Cal
e Bel levaram umas cervejas e o jantar se estendeu até quase 9 horas. Em
seguida, os três homens desceram até uma espécie de píer que a palafita do senhor Firmino possuía.
- Interessante esse píer, senhor
Firmino.
É senhor Cal, ajuda a mudar de
ambiente. Em vez de ficar socado todo o tempo no barraco, desço até aqui e me
espreguiço numa cadeira de lona. Às vezes, durmo e só acordo de manhã,
principalmente em dias muito quentes. Vamos conversar um pouco. Ainda é muito
cedo. Por favor, pegue duas cadeiras lá em cima. Em me recosto na minha de
lona.
- Senhor Firmino, como o senhor
veio parar aqui, perguntou Cal?
- É uma longa história. Nasci no
Maranhão, Aos 25 anos fui para São Paulo onde
fiquei por 15 anos. Trabalhei em diversas indústrias Em 1940 soube que estava
sendo implantado um polo industrial em Salvador, dos mais promissores,
principalmente no setor de chocolate. Bahia era a terra do cacau. Fui admitido
na Chadler aqui no Uruguai. Aluguei um quarto nas proximidades, mas soube que
estavam invadindo o mar com a construção de palafitas. Resolvi também fazer a
minha. Estaria livre do aluguel. Já havia uma meia dúzia construída. Aos poucos
fui melhorando o seu aspecto, até que resolvi fazer esse píer. Aposentei-me antes que a Chadler fechasse
suas portas, mudando-se para os Estados Unidos. Quando a Chadler fechou, com o
dinheiro da indenização comprei esta canoa. Comecei a pescar. Praticamente sem
despesas, sem pagar luz nem água e o peixe e o siri como alimentos, consegui
fazer até uma poupança. Penso em sair daqui e passar meus últimos dias numa
dessas ilhas da Baía.
- E o senhor nunca se casou?
- Não Bel. Conheci muitas
mulheres em São Paulo, mas não me casei. Sempre fui sozinho. Já era difícil me
sustentar sozinho, quanto mais com mulher.
E vocês, parecem que são casados.
Vejo crianças tomando banho de mar em frente às suas palafitas.
- Somos. Minha mulher chama-se
Ana Maria e tenho três filhos, Alex, Mauro e Maria, dizia Bel. Já Cal tem um
casal. Carlos e Milena. Sua mulher chama-se Angélica. Nossas casas foram feitas na mesma
época. Morávamos em Maré e víamos pescar aqui na Enseada. Um dia, vimos um
grupo de pessoas levantando palafitas que nem o senhor. Aproximamo-nos e
perguntamos como se fazia para obter a licença para construir ali.
- Não precisa de licença. É só
possuir umas tábuas e uns troncos por aí e em pouco tempo você tem a sua
palafita levantada.
Naquela mesma semana, trouxemos
tábuas e troncos de Maré e levantamos as nossas palafitas. Na outra semana
trouxemos as mobílias e as famílias vieram de barco até aqui. Em Maré morávamos em casas melhores que as palafitas daqui, mas os filhos estavam crescendo e precisavam estudar.
- Nossas palafitas são
conjugadas. Somos vizinhos de tábua. O que se fala numa casa, ouve-se na outra.
Além do som, passa a luz, não é Bel?
- Por essa razão nenhum fala mal
do outro e vice-versa. Nossas mulheres se entendem muito bem. Ajudamo-nos
mutuamente. (Risos);.
- O que mais o senhor quer saber?
- Nada. Perguntei por perguntar.
É normal no principio de um relacionamento. Mas, mudando de assunto, vocês estão satisfeitos com o que pescam?
- Satisfeitíssimos. Dá para todo
mundo comer e ainda damos peixes aos pescadores mais idosos aqui do Uruguai que
não têm mais condição de pescar. Também ajudamos à Associação dos Moradores do
Uruguai, uma entidade presidida pelo senhor Maneca. Por sua vez, ele
redistribui o peixe que lhe damos.
-Mesmo assim, acho que vocês ostariam de pescar uma maior quantidade, não é verdade?
- Claro! Quanto mais melhor até
certo ponto. Não temos como guardar o peixe. Não possuímos geladeira. Aliás,
ninguém aqui do Uruguai possui uma.
- Pois bem. Tenho uma forma de
aumentar a pescaria de vocês, forma esta que pensei colocar em prática, mas já
não tenho mais idade e seria uma pena que a ideia se perdesse quando eu morrer.
Querem saber como?
- Como aumentar a pescaria! Somos
considerados os tainheiros mais bem sucedidos dessa região. Temos uma boa
canoa e boas tarrafas. Também temos redes para pescar camarão.
- Não quero subestimar a
capacidade de vocês. Mas a forma de pescaria que eu pensava fazer aqui, não tem
igual. A maioria dos pescadores de minha terra pesca assim. Aliás, até os
índios usam esse sistema.
Cal e Bel se olharam um tanto
quanto descrentes, mas Bel resolveu
falar: - pode-nos mostrar sua fórmula mágica?
- Vou subir e já trago um desenho
que eu fiz. Na volta colocou uma folha de papel em cima da pequena mesinha
entre as três cadeiras. Está aí.
- Mas lá em sua terra pode
funcionar e aqui não.
- Vejo aqui as mesmas
características de mar que nem na Barra do Maranhão. O mar se descobre centenas
de metros. Vira tudo lama, como aqui. Igualzinho!
É, podemos tentar, mas de cara
vejo um problema, aliás, um problemão. Não temos dinheiro para comprar redes,
paus e tanques. O senhor parece que também não tem.
- Cal e Bel. Não vai ser necessário
dinheiro algum. Só trabalho de procurar por ai os elementos dessa
armadilha. As redes, por exemplo, o que
é o mais caro poderá ser encontradas aí pelas ilhas. Redes usadas,
imprestáveis, jogadas na areia. Já não servem para pescaria de grandes peixes.
As malhas já não aguentam, mas para nós elas funcionarão. Os paus, temos o
mangue à nossa disposição. É só cortá-los e os tanques, possivelmente, podemos
achá-los velhos, jogados fora por moradores ou abandonados nas velhas casas.
A convicção daquele homem
impressionava os dois rapazes. O projeto tinha alguma lógica. Resolveram
aceitar. Começaremos amanhã. Vamos todos à Ilha de Maré, é um bom começo, eu,
Bel e o senhor. Se nada encontrarmos, pelo menos comeremos uma boa moqueca de
caçonete ou peguari.
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