sábado, 8 de setembro de 2012

RUA DAS PRINCEZAS – HOJE RUA PORTUGAL


Certa feita fizemos uma postagem sobre o bairro do Comércio na Cidade Baixa. Titulamo-na  “O COMERCIO SEMPRE NOS SURPREENDE”. Em verdade, buscávamos traços de como fora este bairro no século XIX e principio do século XX. Infelizmente só encontramos pedaços do extraordinário conjunto. Renovo esses pedaços nas fotos abaixo:



Extraordinário conjunto? Sem dúvida que era. Diz-se que “se Salvador tivesse mantido  o que tinha antes, mas o que tem hoje, seria uma das maiores cidades do mundo”.
Hoje e agora, podemos tirar a prova dessa afirmação com a publicação de fotos da antiga Rua das Princezas (com z) – que não é outra senão a nossa conhecida Rua Portugal dos tempos atuais:
Rua das Princezas- Bela e Aristocrática – Reparem que muitas bandeiras estão hasteadas. Só não tinha árvores como é hoje, mas para que? Não se veria os belos prédios na sua magnífica composição urbana; também esconderiam as bandeiras.

LEITURA OPCIONAL


ALAGADOS
2
A moqueca estava uma delícia. Cal e Bel levaram umas cervejas e o jantar se estendeu  até quase 9 horas. Em seguida, os três homens desceram até uma espécie de píer que a  palafita do senhor Firmino possuía.
- Interessante esse píer, senhor Firmino.
É senhor Cal, ajuda a mudar de ambiente. Em vez de ficar socado todo o tempo no barraco, desço até aqui e me espreguiço numa cadeira de lona. Às vezes, durmo e só acordo de manhã, principalmente em dias muito quentes. Vamos conversar um pouco. Ainda é muito cedo. Por favor, pegue duas cadeiras lá em cima. Em me recosto na minha de lona.
- Senhor Firmino, como o senhor veio parar aqui, perguntou Cal?
- É uma longa história. Nasci no Maranhão, Aos 25 anos fui para São Paulo onde fiquei por 15 anos. Trabalhei em diversas indústrias Em 1940 soube que estava sendo implantado um polo industrial em Salvador, dos mais promissores, principalmente no setor de chocolate. Bahia era a terra do cacau. Fui admitido na Chadler aqui no Uruguai. Aluguei um quarto nas proximidades, mas soube que estavam invadindo o mar com a construção de palafitas. Resolvi também fazer a minha. Estaria livre do aluguel. Já havia uma meia dúzia construída. Aos poucos fui melhorando o seu aspecto, até que resolvi fazer esse píer.  Aposentei-me antes que a Chadler fechasse suas portas, mudando-se para os Estados Unidos. Quando a Chadler fechou, com o dinheiro da indenização comprei esta canoa. Comecei a pescar. Praticamente sem despesas, sem pagar luz nem água e o peixe e o siri como alimentos, consegui fazer até uma poupança. Penso em sair daqui e passar meus últimos dias numa dessas ilhas da Baía. 
- E o senhor nunca se casou?
- Não Bel. Conheci muitas mulheres em São Paulo, mas não me casei. Sempre fui sozinho. Já era difícil me sustentar sozinho, quanto mais com mulher.
E vocês, parecem que são casados. Vejo crianças tomando banho de mar em frente às suas palafitas.
- Somos. Minha mulher chama-se Ana Maria e tenho três filhos, Alex, Mauro e Maria, dizia Bel. Já Cal tem um casal. Carlos e Milena. Sua mulher chama-se Angélica. Nossas casas foram feitas na mesma época. Morávamos em Maré e víamos pescar aqui na Enseada. Um dia, vimos um grupo de pessoas levantando palafitas que nem o senhor. Aproximamo-nos e perguntamos como se fazia para obter a licença para construir ali.
- Não precisa de licença. É só possuir umas tábuas e uns troncos por aí e em pouco tempo você tem a sua palafita levantada.
Naquela mesma semana, trouxemos tábuas e troncos de Maré e levantamos as nossas palafitas. Na outra semana trouxemos as mobílias e as famílias vieram de barco até aqui. Em Maré morávamos em casas melhores que as palafitas daqui, mas os filhos estavam crescendo e precisavam estudar.
- Nossas palafitas são conjugadas. Somos vizinhos de tábua. O que se fala numa casa, ouve-se na outra. Além do som, passa a luz, não é Bel?
- Por essa razão nenhum fala mal do outro e vice-versa. Nossas mulheres se entendem muito bem. Ajudamo-nos mutuamente. (Risos);.
- O que mais o senhor quer saber?
- Nada. Perguntei por perguntar. É normal no principio de um relacionamento. Mas, mudando de assunto, vocês estão satisfeitos com o que pescam?
- Satisfeitíssimos. Dá para todo mundo comer e ainda damos peixes aos pescadores mais idosos aqui do Uruguai que não têm mais condição de pescar. Também ajudamos à Associação dos Moradores do Uruguai, uma entidade presidida pelo senhor Maneca. Por sua vez, ele redistribui o peixe que lhe damos.
-Mesmo assim, acho que vocês ostariam de pescar uma maior quantidade, não é verdade?
- Claro! Quanto mais melhor até certo ponto. Não temos como guardar o peixe. Não possuímos geladeira. Aliás, ninguém aqui do Uruguai possui uma.
- Pois bem. Tenho uma forma de aumentar a pescaria de vocês, forma esta que pensei colocar em prática, mas já não tenho mais idade e seria uma pena que a ideia se perdesse quando eu morrer. Querem saber como?
- Como aumentar a pescaria! Somos considerados os tainheiros mais bem sucedidos dessa região. Temos uma boa canoa e boas tarrafas. Também temos redes para pescar camarão.
- Não quero subestimar a capacidade de vocês. Mas a forma de pescaria que eu pensava fazer aqui, não tem igual. A maioria dos pescadores de minha terra pesca assim. Aliás, até os índios usam esse sistema.
Cal e Bel se olharam um tanto quanto descrentes, mas Bel  resolveu falar: - pode-nos mostrar sua fórmula mágica?
- Vou subir e já trago um desenho que eu fiz. Na volta colocou uma folha de papel em cima da pequena mesinha entre as três cadeiras. Está aí.
- Vou lhes explicar. Chama-se “curral”. É uma rede de espera. Os pontos sinalizam o seu formato. Há uma abertura na parte superior esquerda para entrada dos peixes numa maré cheia; em seguida um labirinto para que eles não possam retornar. Aliás, eles não sabem como retornar. No centro, em vermelho são quatro tanques de água de amianto, enterrados na lama até a boca. São chamados de coração do pesqueiro.  Quando a maré esvazia, os peixes não têm ou não sabem como sair. Alguns pulam, mas a maioria se dirige aos tanques que se mantêm com água, afim de não morrerem.  Aí é só catá-los. Simples! Vocês poderão  fazer diversas armações desta ao longo da enseada. É um mar de peixe. Vocês vão ver.
- Mas lá em sua terra pode funcionar e aqui não.
- Vejo aqui as mesmas características de mar que nem na Barra do Maranhão. O mar se descobre centenas de metros. Vira tudo lama, como aqui. Igualzinho!
É, podemos tentar, mas de cara vejo um problema, aliás, um problemão. Não temos dinheiro para comprar redes, paus e tanques. O senhor parece que também não tem.
- Cal e Bel. Não vai ser necessário dinheiro algum. Só trabalho de procurar por ai os elementos dessa armadilha.  As redes, por exemplo, o que é o mais caro poderá ser encontradas aí pelas ilhas. Redes usadas, imprestáveis, jogadas na areia. Já não servem para pescaria de grandes peixes. As malhas já não aguentam, mas para nós elas funcionarão. Os paus, temos o mangue à nossa disposição. É só cortá-los e os tanques, possivelmente, podemos achá-los velhos, jogados fora por moradores ou abandonados nas velhas casas. 
A convicção daquele homem impressionava os dois rapazes. O projeto tinha alguma lógica. Resolveram aceitar. Começaremos amanhã. Vamos todos à Ilha de Maré, é um bom começo, eu, Bel e o senhor. Se nada encontrarmos, pelo menos comeremos uma boa moqueca de caçonete ou peguari.


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