O tempo passou. O menino chegava aos 12 anos. Já
possuía maior percepção das coisas, inclusive das coisas da casa onde morava.
Era uma casa modesta. Não tinha forro, ou seja, de qualquer canto se via a
formação do telhado. Grossas tiras de madeira cruzavam nas alturas, sustentando
as telhas. Tinha um pequeno quintal. Criavam-se galinhas que dava ovos para o
consumo da casa. Quando iam ficando velhas e havia diminuição de produção do
grande alimento eram substituídas por outras mais novas, após o que eram
comidas de preferência ao molho pardo.
As partes mais nobres eram dos pais;
para os filhos o pescoço, as asas, às vezes um pedaço de uma cocha. Feijão
simples, arroz e farinha completavam a refeição. De manhã e a noite café com
leite e uma banda de pão com a manteiga já passada. Mesmo assim, ninguém
passava fome. O corpo fora acostumado dessa maneira. Ninguém era gordo. Além do
mais, caminhava-se muito nas idas para a escola e nas brincadeiras na praia de área
fofa, bem como o nadar boas distâncias. Por exemplo, ia-se até os barcos dos
pescadores fundeados a 100 metros da praia; subia-se neles e se dava sucessivas
caídas. Nos fins de semana se ia comprar farinha na feira do Bonfim. Andava-se
um bom pedaço. A farinha era de Nazaré das Farinhas e era conhecida como de
copioba. Vinha dos grandes saveiros que aportavam ali mesmo no Porto do Bonfim.
O mar batia no cais do grande largo. Nas marés de vazante quando o mar recuava
centenas de metros, procurava-se chegar antes do fenômeno. Por outro lado, esse
mesmo fenômeno ajudava a catar papa-fumo ali mesmo. Não era necessário ir até a
Ponta da Penha onde tinha em profusão. Lá pescavam as marisqueiras. Não viam
com bons olhos os meninos que se aproximavam. Quando chegavam em casa eram cozidos em
grandes latas de banha. Sim! Banha! Fritava-se na banha. Ainda não tinham sido
inventados os óleos de milho e de soja de hoje. Também nessas latas era cozidos
os siris que se pescavam em grande quantidade ali mesmo em frente a casa. Se a
maré estivesse cheia, pescava-se de cima do cais com o arremesso de grandes jererés
com uma isca ao centro.
A melhor delas era pele de galinha. Se a maré estivesse
vazia, pescava-se o gostoso marisco com iscas amarradas a um cordão e uma pedra
para fundear. Do lado contrário, um pedaço de carvão para visualização das
armadilhas, dispostas de cinco em cinco metros ao longo da horizontal da praia.
Carvão? Era fácil achar carvão? Sim,
todas as casas tinham carvão. Eram
comprados na porta. Os carvoeiros vinham todas as semanas. Ficavam armazenadas
no quintal onde se fazia uma pequena cobertura. Ainda não se conhecia fogão a
gás e muito menos elétrico. Isso só aconteceu muitos anos depois e no principio
teve muita dona de casa que não aderiu à novidade com medo de uma explosão.
Mantiveram
seus velhos fogões a lenha. Também se comprava na porta, peixe, carne e
verduras. Todos os dias em pequenas quantidades. Não existiam ainda as
geladeiras para a conservação dos alimentos. Consequentemente, a água gelada
era difícil. Somente quando passava o homem do gelo, poder-se-ia tomá-la assim.
Na porta também era colocado o leite de todos os dias. Os leiteiros passavam de
madrugada. Colocavam em cada porta um litro de leite engarrafado. Cobravam no
fim de semana, mas mesmo quem não pudesse pagar não ficava prejudicado na
semana seguinte. Ele continuava fornecendo, desde que sabia que a maioria das
casas tinha crianças. Os espanhóis dos armazéns e padarias agiam da mesma
forma. Àquele tempo comprava-se fiado e as despesas eram anotadas numa
caderneta individual com o nome do morador. No fim de cada mês eram feitos os
pagamentos. A maioria das pessoas era assalariada. Tinha pouca gente rica.
Nunca se soube de algum calote e se houve e deve ter havido, ninguém soube quem
deu. Os espanhóis absorviam o prejuízo. Eta gente boa. Trabalhavam de tamanco e
dormiam no fundo de seus armazéns. Quando juntavam dinheiro suficiente voltavam
para a sua terra. Casavam-se lá. A escolha das esposas era feita pelas famílias
de comum acordo. Conta-se que houve uma dissidência. Foi o filho de um espanhol
dono de uma casa de materiais de construção nas proximidades do Porto da
Lenha. Começou a namorar a filha de um
professor da Faculdade de Engenharia da Bahia. Gente importante! Já se sentava
na porta da casa da eleita. Sabem no que deu? Um dia drogaram o rapaz e o
colocaram num navio espanhol com explicações e recomendações ao
comandante. Quando ele acordou estava a
milhas de distância da costa brasileira.
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