Como já se sabe, no próximo dia 17 desse mês, realiza-se mais
uma Lavagem do Bonfim. Diferentemente de outras festas populares que se faz
propaganda nos meios de comunicação a fim de despertar o máximo do interesse
popular, esta comemoração se faz como que em segredo, desde que condenada pela
própria igreja. É que os católicos são diferentes, por exemplo, dos protestantes. As ordens emanadas
da cúpula desses últimos são obedecidas rigorosamente. Já os católicos não se
importam daquelas advindas dos mentores de sua igreja. Se não lhes toca a alma, de nada adianta. É
chover no molhado, segundo conhecido ditado.
Isto vem a propósito em razão das sucessivas manifestações da
Igreja Católica contra a realização da Lavagem do Bonfim. A coisa vem de longe,
desde 1889 quando Dom Antônio Luiz dos Santos, principal mentor da igreja na
Bahia àquela época, emitiu um mandamento determinando, “que a Igreja do Bonfim ficasse fechada durante todo o dia de
quinta-feira, só permitindo a abertura da porta à noite para a realização da
novena”. Acrescentava: “que o asseio fosse feito muito particularmente
em outro qualquer dia, de portas fechadas, sem o menor sinal de festa ou
cantoria e com a decência compatível com a casa de Deus”. Se não bastasse,
para fazer valer a Portaria, publicou-a na imprensa e enviou oficio ao governador
do estado, Manoel Vitorino, “pedindo
proteção, pois tinha receio que houvesse movimento de desobediência pelo
ajuntamento de pessoas da ínfima classe e por interesses comerciais”.
Pelo que se vê, a coisa era braba. Sente-se um forte
preconceito nesse “mando”. O povo é tido como uma “ínfima classe” que deveria ser reprimido e naqueles tempos a
repressão significava chibatadas e coisas tais, pelourinho, por exemplo.
Vejamos outras manifestações de autoridades e pessoas
proeminentes da sociedade a respeito da Lavagem
“Louca
bacanal”, “blasfêmia” e “resquício de paganismo”, assim Maximiliano de
Habsburgo (naturalista austríaco que visitou a Bahia em 1860) se referiu a Lavagem do Bonfim.
“Bacanal”
também foi o adjetivo utilizado por José Eduardo de Carvalho Filho (1852-1934),
médico, intendente municipal, presidente do Centro Catholico Bahiano, irmão e
tesoureiro da Devoção do Senhor do Bonfim e cronista..
Sob a mira eclesiástica, era uma mistura de
“irreverência e superstição” nas
palavras de dom Romualdo de Seixas.
Mas de nada adiantou. Naquele ano de 1889 o povo foi a sua
igreja, lavou-a e perfumou-a com suas águas mágicas. Não se sabe se encontrou as portas fechadas
conforme a recomendação, mas se aproximou delas e certamente molhou a sua
madeira jogando baldes de água perfumada. A umidade deve ter chegado ao interior
do templo.
Levou muitos anos até que a igreja voltasse a se manifestar
contrária à Lavagem. A última delas aconteceu em 28 de janeiro de 1948 nos
seguintes termos de acordo com o Mandamento Número 3:” Fica proibida qualquer
espécie de lavagem nos templos eclesiásticos, mesmo que simbólicas, antecipadas de cortejos carnavalescos,
às vésperas de qualquer festividade religiosa nas paróquias, igrejas, reitorias
e capelas. Salvador, 28 de janeiro de 1948"
Ante tamanha carga “oficial” era de se esperar uma diminuição
das manifestações populares, ou até mesmo sua extinção.
Nada aconteceu; muito
pelo contrário, a Lavagem foi crescendo pelos anos afora ao ponto de hoje
reunir milhões de pessoas de todo o mundo.
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